“Bairros” é um ponto de chegada, mas também de partida. Não complica: é um processo.

Há anos que sabíamos que queríamos isto e há anos que sabemos que queremos mais.

Começou há seis anos com palcos que acolheram a urbe toda, tornando simples o que muitos complicam: fazer um Festival que é a cara da cidade.

Mas isso não basta e não somos ingénuos. Não queremos apenas celebrar quem é seleccionado mas entender os desvios desse percurso. Afinal quem chega ao palco? À estampa? À exposição? Ao direito de decidir.

Apresentar anualmente um Festival que vive das diversidades artísticas e culturais do espaço urbano implica compreendê-lo. Saber quem fica pelo caminho e porquê. O que é popular de forma transversal à cidade? O que é popular apenas em determinados segmentos da urbe? Como e quando se confrontam essas diversas expressões? Como perceber as diversas emergências e seus processos?

Para o público em geral, parte dessas respostas está no cartaz do Festival, mas não queremos que elas se escondam apenas aí.

De facto, desde a primeira edição do Festival, crianças, jovens e profissionais de territórios projectados para uma segregação espacial, social e cultural têm participado nas suas múltiplas facetas: música, artes plásticas, talks, workshops, voluntariado, público ou usando a venue do Iminente como espaço para desenvolver as suas actividades.

Em 2020, no pico da crise pandémica e de confinamento, não por acaso, saímos do nosso recinto e fomos estabelecer base em quatro territórios de Lisboa: Alta de Lisboa, Bairro do Rego, Vale de Alcântara e Vale de Chelas.

Os nossos interlocutores locais oneraram-nos de informação contemporânea. Como consequência do confinamento, um recuo institucional generalizado ia ter repercussões nas actividades de crianças e jovens no Verão de 2020. Nós já sabíamos que iríamos para o terreno tornar o Festival inespacial, saber das condições só nos deu menos pejo. Nesse ano, quatro workshops circularam entre o Panorâmico e os bairros, fomos todos público e actores, e criámos o mais importante nesse itinerário: uma relação. Assim, foi com toda a naturalidade que em 2021 se criou “Bairros”, uma programação de curadoria partilhada entre o Festival Iminente, Geração Com Futuro, Passa Sabi, Associação de Moradores do PER 11 e Associação da Quinta Grande (PER 7) com o apoio na organização da Fundação Aga Khan Portugal.

Planeámos um 4x4x4: quatro workshops, quatro bairros, muitas expressões artísticas. A resolução do puzzle matemático ficou a cargo das instituições locais que organizaram as oficinas de acordo com a escassez ou abundância de oportunidades, em complementaridade ou contradição, por desejo ou necessidade.

Essa paisagem de criação perfez todo o Verão de 2022 desses territórios, proporcionando novos lugares de diálogo entre artistas, moradores e organização. Fomos mais de cento e vinte, e muitos mais nos dias abertos, uma celebração final, local e agregadora que simboliza tudo o que têm para oferecer à cidade, por via de “Bairros” mas também na vida de todos os dias.

Em 2022, sem pandemias mas com novas crises, “Bairros” chegou mais longe. Autonomia absoluta dos territórios, curadoria de acordo com um trabalho de longo prazo em continuidade e complementaridade não só com as necessidades locais, mas também com os seus sonhos.

Não há receita para este resultado. Não se trata só de competências presentes ou ausentes, trata-se de relações, de processos.

Estivemos muitas vezes no mais básico e essencial. Entre portas mexemos em matéria, acabámos com tintas, colámos fotografias, decorámos interiores e derrubámos paredes que pareciam definitivas. Na rua fizemos com que os nossos corpos tivessem sentido na paisagem, mexemos no portfólio da cidade, filmámos, fotografámos e demos novo sentido aos sítios que sempre conhecemos.

O que vocês vêem aqui é a consolidação de todo esse trabalho comunitário, através das peças, dos registos fotográficos, dos desenhos, dos vídeos e do convívio.

“Bairros” é a descrição de um caminho até ao limite do registo, o resto está em cada um de nós.

BAIRRO DO RÊGO

“- Vou a Lisboa” é uma expressão que não carece de singularidade no Bairro do Rêgo, apesar de situar-se na mesma cidade. É uma forma de identificar o itinerário do quotidiano. Há um Entrecampos de Lisboa e há um Entrecampos onde situa-se o Bairro do Rêgo que ainda não é Lisboa.

Haverá melhor dissonância descritiva da situação?

Acontece que esse Outro Entrecampos já lá está há algumas décadas. Primeiro em casas autoproduzidas por imigrantes rurais, caboverdianos e ciganos, mais tarde, no advento da
modernidade, em prédios de realojamento.

Mas a modernidade manteve duas Entrecampos. E nessa, a da nossa relação, a que está. Aqui, criaram-se espaços de afecto. Antes denominava-se “Passa Sabi”, um sítio de
encontro dos jovens e mais novos na segurança uterina do Bairro. Na modernidade, esse afecto emancipou-se numa figura jurídica associativa que ainda hoje recebe os mais novos
e cria iminências com eles.

E dos agora mais novos, como vai ser a futura emancipação? Um só Entrecampos?

ALTA DE LISBOA

Até ao fim do século XX os terrenos entre o norte do Lumiar e o aeroporto careciam de classificação. Havia os bairros da Musgueira (Norte e Sul), Galinheiras, Calvanas, Cruz
Vermelha e as “quintas” ... Grande, da Pailepa, do Louro.

Na entrada do século XXI uma revolução urbanística denominou toda a área como Alta de Lisboa. Um endereço que serve aos de fora para pesquisa de imobiliário e aos de dentro
para contar aos de fora onde vivem.

Os núcleos realojados têm agora nomenclaturas zonais: PER 7, PER 8, PER 11; à falta de melhor histórias e acontecimentos vão definindo esses núcleos: Cavalos, Mulas, Kosovo,
BQG.

Quanto aos mais novos, que já nasceram na pós-transformação vão pesquisando o significado original do sítio onde moram:

“Pão Estrada Revolução
Pato Erva Rato
Pai Escrever Respeito”

In Perdidos e Achados

No PER 7 ou BQG há uma garagem organizada pelos jovens, no PER 11 há uma Associação de Moradores; ambas são o vínculo para os respectivos moradores e são os nossos parceiros nesta aventura.

VALE DE ALCÂNTARA

É uma designação abstracta que reflecte os vários Bairros existentes nessa área da cidade de Lisboa, dos realojamentos do Casal Ventoso, Alvito à Liberdade/Serafina. Apesar das
mudanças urbanísticas a paisagem humana é constituída por moradores que habitam o território há várias décadas, com práticas populares e comunitárias bem enraizadas.

Dispostos de forma paralela em relação ao Vale – ou em modos mais terrenos: “cortado ao meio” – os Bairros acabam por ter pouco contacto entre si, vítimas de um atravessamento
difícil de suplantar.

As nossas actividades decorreram no Bairro Liberdade/Serafina e na Quinta do Loureiro, apoiados pelo Centro Comunitário deste último, movidos pela emoção de criar novas sinergias e lideranças.

VALE DE CHELAS

É nome de plano e, no caso, nenhum morador o reconhece ou sabe se quer da sua existência como referência. Trata-se do espaço de realojamento da Quinta da Curraleira e
do Casal do Pinto. Muitos ainda referem o espaço onde vivem como “Curraleira”, uma reivindicação contra o fim da história e do património que ainda corre.

Os espaços dos antigos bairros ainda existem, quase como uma memória viva do antigamente no hoje de todos os dias. Ainda se faz. Ainda se faz apontar para um ponto do
descampado e contar uma história com vinte e cinco, trinta, quarenta anos.

Em volta do vazio do antigamente há o Bairro Horizonte, “Nascimento Costa”, Bairro Branco e Quinta do Lavrado. Neste último fica a Geração Com Futuro, um matriarcado associativo que mantém bem vivas as dinâmicas para que ninguém caia por não ter apoio. São elas que nos acompanham.

Curadoria / Curatorship

Artistas / Artists

Ana Rita António, ateliermob, Batida, Fidel Évora, João Fortuna, Landim, Lukano, Lúcia Afonso, Mergulho Urbano, MonÁxi, Movimento Claro, Nêga Filmes, Oficina Loba, Outros Ângulos /João Garrinhas, Pedrita Studio, Up Farming

Participantes / Participants

Afonso Rafael Borba da Cruz, Alicia Cruz, André Sousa, Ana Gama, Andreia Jerónimo, António Capela, António Vidal, Beatriz da Silva, Bryan Alves Cardoso, Carlos Barata, Carolina Matos, Carolina Pinto Vieira Fernandes, Catarina Monteiro Cabral, Claudia Barbosa, Claudia Maria, Cristiano Sousa Marques, Daeloa Silva, Diniz Garcia, Daniela Oliveira, Diana Batista, Diego Gomes, Diego Tavares, Diogo Andrade, Diogo Rafael Sousa Costa, Edgar João, Edinha Jerónimo, Edmilson Silva, Edson Espírito Santo, Edson Gonçalves, Edson Renato Januário, Egla Cá, Érica Duarte, Evelyn Kiara, Fabiana Santos, Fabricia Alexandra Santos Pinto, Fábia Alves Ferreira, Fábio Henriques, Fábio Miguel Da Silva Sousa, Fábio Rafael Campos Fernandes, Flávio Bogas, Gerson Claro, Gilberto Barros, Gonçalo Henriques, Gonçalo Monteiro, Gonçalo Sousa, Henri Luz, Henrique Gaty, Hugo Gama, Hugo Luz, Hugo Monteiro, Iara Viegas, Ilidio Ricardo Silva Delgado, Inês do Nascimento Filhó, Inês Monteiro, Inês Monteiro de Sousa, Iriana Viegas Bettencourt, Iuri Alexandre Valente Viegas, Iuri Tavares, Ivo Santos, Jacson Barros, Jassira Cá, João Jerónimo, Josemar Loureiro Januário, Lana Diogo Dos Reis, Leandra Bernardino, Leandro Felipe Fernandes, Leonardo de Noronha Raimundo, Leonardo Santiago, Leonor Monteiro Gonçalves, Lia Dias Alves, Lisandra Santos, Lisandro Alexandre Valente Viegas, Luena Dias Alves, Madalena Castanheira, Madalena Cavaleiro, Matilde Barata, Mara Aspeçada, Mara Santos, Márcio João, Margarida Valente, Margarida Viegas, Maria Aguiar, Maria Pereira, Mariana Alexandra Da Cruz Domingos, Marcio Cruz, Martin Antunes, Martim Oliveira, Melissa Delgado, Mercedes Sebastião, Miraliana Catame, Nádia, Nair Barbosa, Nair Diogo Dos Reis, Naisa Rafaela Viegas Bettencourt, Nicolás Bafardi, Naomi Pinto, Nicole Lourenço, Obento Catane, Rafael Filipe Valente Viegas, Rafael Lopes, Raquel Gomes, Ricardo Alexandre, Ricardo Machado, Rodrigo Antunes, Rodrigo Miguel Santos Lopes, Rosalina Lourenço, Ruben Rodrigo da Cruz Fernandes, Ruben Semedo, Rui Barbosa, Salomé Varela, Samuel Viegas, Santiago Almeida, Santiago Machado, Santiago Pina, Santiago Santos, Santiago Wah, Sara Bernardo, Sara Rebelo, Sassa Sanches, Sebastião Torres, Soraia Silva, Sónia Lemos, Tais Silva, Tiago Matias,Tomás Santos, Tomé Varela, Vanessa Jesuina Costa Januário, Vitor Manuel Pereira do Amaral, Wagner Silva, Yara Varela, Yasmin Brito

Produção / Production

Mafalda Matos (Coordenação / Head of Production)

Pedro Fradique Bastos (Produção / Production)

Rita Oliveira (Assistente de Produção / Production Assistant)

Montagem de Exposição / Exhibition Assembly

Activert

Design

Solid Dogma - Diogo Potes

Saúl Ornelas

Website

Adhesive / Brand + Digital Designers

Vídeo

Chris Costa

Diogo Costa

João Antunes

José Fonseca

José Pando Lucas

Ricardo Gregório

Fotografia / Photography

Chris Costa

Ricardo Gregório

Agradecimentos / Acknowledgements

André Silveira (Aga Khan Foundation/AKF), Ana Barbosa, Bela Campos, Carina Alves, DJ Rifox, DJ Bleef, Dona Conceição, Ester Ferreira (AKF), Gerson Gomes, Gilberto “deejay_emotion“ Barros, Gilmária Souza, Holly, Hélder Pacheco, Igor Brás, Inês Machado (PAAL), Inês Monteiro Sousa, Jerusa Costa (AKF), Joana Lourenço (Ditirambus), Joana Mouta, João Rifa, Laurentina Pereira, Marco Guerra, Marco Mascarenhas (Ditirambus),Margarida, Margarida Fonseca (ADM Estrela), Maria Antunes (PAAL), Márcio Moikano, Mário Maia, Mário Maia (filho) Mónica Azevedo (AKF), Nádia Vilaça, Nair Noronha (AKF), Nini, Nuno Luís (Store4DJ),ONun Trigueiros, Patrícia Campaniço (AKF), Pedro Cardoso, Pedro Tomás, Primero G, professor Vadu, Raquel Gomes, Raquel Gonçalves (AKF), Roberta Gallo, Rootsz Di Lokuz (Wilson\Santos), Rute Brás, S. Design, Sepher Awk, Sheila, Tamara, Tiago Frade (Orientar), Teresa Martins (AKF), Teresa Ramos, Thaise Oliveira (AKF), Trienal de Arquitectura de Lisboa, Tristany, VDK, VK, Victor Santos (Lisboa Futebol Clube), Viviana Martins (AKF)